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A intranet da Al-Qaeda

A intranet da Al-Qaeda

http://link.estadao.com.br | Pedro Doria
15/10/2007

Não há de ser novidade para nenhum dos prezados leitores que a Al-Qaeda seja sofisticada tecnologicamente. Mas o quanto? Nas últimas semanas, por conta de um gigantesco erro cometido dentro da Casa Branca, ficou claro. Cá vai um mapa da ‘intranet’ – da rede particular usada pela organização terrorista – como ela era até há uns dias.

A rede interna da Al-Qaeda foi apelidada, pela inteligência americana, de rede Obelisk. Geralmente, intranets são internas e não têm conexão com a internet. Não era o caso desta. Com o passar dos anos, hackers ligados à Al-Qaeda foram invadindo servidores da web aqui e ali, alocando espaço, montando suas garras sem que os operadores de cada máquina o soubessem.

O resultado é uma rede espalhada com vários nós pelo mundo. É uma série de sites públicos e fechados, alguns localizáveis por domínios que parecem os mais inocentes, outros apenas pelo endereço IP numérico. Há fóruns cujo objetivo é recrutar jovens muçulmanos no mundo islâmico, na Europa ou nos EUA. Há sites noticiosos.

Mas há também coisas mais prosaicas. A contabilidade da Al-Qaeda está em grande parte online, em planilhas de Excel mesmo, assim como a agenda de alguns de seus membros – o tipo de material que qualquer escritório tem. Um sofisticado jogo de senhas e logins dava acesso a esse mundo difícil de entrar.

As questões mais delicadas, os recados mais secretos, esses não iam para a intranet. Uma rede de mensageiros pelo mundo ainda faz a troca de mensagens pessoalmente. Mas é usada apenas para os casos extremos.

A intranet recebia até o material da As-Sahab, a produtora da Al-Qaeda, responsável pela produção de todos os filmetes em que Osama bin Laden ou seu lugar-tenente, o egípcio Ayman al-Zawahiri, apareciam.

O esquema vale, inclusive, para aquele vídeo no qual Bin Laden, com as barbas incrivelmente negras, apareceu no último 7 de setembro.

E aí entra a derrapada da Casa Branca.

Já faz algum tempo, Obelisk, a rede interna da Al-Qaeda, havia sido invadida pelo Instituto SITE, um pequeno grupo de inteligência privada. Espécie de serviço de espionagem particular que presta serviços para o governo americano.

Quando veio ao ar o novo filme do terrorista mais procurado do mundo, os especialistas do SITE o viram e baixaram. Fizeram uma cuidadosa transcrição de tudo o que dizia em árabe seguida de uma tradução para o inglês. Daí, já com legendas, puseram em seu site protegido uma cópia do vídeo e enviaram o endereço para duas pessoas na Casa Branca com a ressalva. Era para continuar secreto: informação para quem precisava dela. Se o filme vazasse antes que a própria Al-Qaeda o divulgasse para as TVs árabes, o alerta teria sido dado de que seu sistema, sua intranet, estava comprometida pela versão contemporânea dos 007s.

Nas horas seguintes, com desespero, Rita Katz, diretora da SITE, viu o filme ser baixado incontáveis vezes de seu servidor, sempre por computadores ligados a domínios .gov. Ou seja: do governo americano. De e-mail em e-mail, para pessoas desconhecidas, a notícia de que havia um novo Bin Laden na praça corria e curiosos tratavam de vê-lo.

Até que alguém, em algum prédio de Washington, talvez por malícia, talvez por ingenuidade, decidiu ligar para um amigo repórter. À noite, o filme estava no principal telejornal da rede ABC.

O governo nega que tenha vazado o vídeo. Diz que foi outro, mas que investigará. A Al-Qaeda, evidentemente, não quis saber. Perante os olhos dos espiões eletrônicos da SITE, a intranet do grupo terrorista foi saindo do ar, site por site. O trabalho de anos para penetrar no sistema foi jogado fora.

Alguns nós do Obelisk já estão no ar novamente. Ninguém tem a senha.

*pedro.doria@grupoestado.com.br